Lama, plástico, sofás, pneus e outros dejetos formam ‘ilha' de lixo na Baía de Guanabara

No princípio era só a lama, contaminada por décadas de lançamentos de resíduos industriais. Com os anos, vieram tubos de TV, pneus, computadores, incontáveis sapatos, garrafas plásticas, dejetos de todo tipo. E, após as chuvas de abril, catadores de caranguejos e ambientalistas constataram o crescimento na Baía de Guanabara de uma espécie de ilha de lixo. Como num gênesis da destruição, a “ilha”, visível do espaço, nada tem de natural. Foi criada por falta de saneamento e educação.

Mas a Baía insiste em viver, e não muito distante da ilha de lixo produzida pelo desleixo humano, ela abriga seus últimos botos residentes, que não chegam a 30 animais, alertam cientistas. Suas 202 espécies de peixes a tornam um dos estuários tropicais mais ricos do mundo, revela Marcelo Vianna, professor do Laboratório de Biologia e Tecnologia Pesqueira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os peixes sustentam bandos de centenas de aves e uma importante atividade pesqueira  — de lá saem cerca de 500 toneladas de pescado por mês.

E a cerca de 20 quilômetros em linha reta da ilha de lixo, persiste o chamado “pantanal carioca”, os manguezais da APA de Guapimirim, onde se criam robalos e outras 166 espécies de peixes, vivem 242 espécies de aves, 34 de répteis e 32 de mamíferos. Ali, rios e canais remetem aos igarapés da Amazônia.

Entre o inferno da devastação humana e o paraíso de riqueza natural, o Rio vê refletidos nas águas da Guanabara suas maravilhas e seu caos.

— A Baía é um lugar de extremos, um tesouro natural transformado em retrato das mazelas urbanas. Suas águas refletem décadas de maus tratos. Se tornou uma criação humana, Deus e natureza nada têm a ver com o monstruoso acúmulo de esgoto e lixo. Governo e sociedade são os responsáveis — afirma David Zee, professor da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de numerosos estudos sobre a baía, em cuja área de drenagem vivem cerca de 80% da população do estado.

Cem por cento urbana, a ilha de lixo é a seu modo selvagem. O lixo se prendeu às raízes de um manguezal e se acumulou na lama negra, uma sopa viscosa de produtos industriais, esgoto e chorume. O solo cede sob os pés e se torna uma armadilha, que aprisiona e engole quem nele pisa. O ar tomado pelo cheiro de decomposição está infestado de mosquitos, num habitat somente para ratos. O lixo criou uma praia sem areia, feita de plástico, madeira e restos apodrecidos. O assoreamento pelo lixo é tão intenso, que próximo às suas margens, a água não chega a 5cm de profundidade.

O biólogo Pedro Belga, coordenador do Projeto Uçá, da ONG Guardiões do Mar, estima que a camada de lixo ultrapasse um metro de profundidade numa área de cerca de 20 hectares.

Belga chegou no local após denúncia de integrantes da Associação de Caranguejeiros e Amigos de Suruí,  alarmados com o crescimento acelerado da área formada por lixo no lugar que chamam de Ilha do Morro Grande. O nome alude ao fato de ali os manguezais parecerem separados do continente por uma rede de rios e canais.

 

 

Fonte: O Globo

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