Denúncias de tortura praticada por agentes públicos crescem 21% em 2013.
Minas Gerais e São Paulo dividem o primeiro lugar entre os Estados com mais denúncias no Brasil.
O Disque 100, ou Disque Direitos Humanos, recebeu 361 denúncias de torturas praticadas por agentes públicos em 2013. O número é 21% maior que o registrado em 2012, quando o serviço recebeu 298 denúncias. Em relação a 2011, ano de implantação e em que o Disque 100 recebeu 157 queixas, o aumento é de 129%.
Na soma dos últimos três anos, foram feitas 816 queixas por meio do serviço criado que a população denuncie casos de abusos dos Direitos Humanos.
De acordo com a pasta, o número de agentes envolvidos nas denúncias também subiu, passando de 193 em 2011, e 446 em 2012 para 523 no ano passado – cada queixa pode envolver mais de um suspeito.
Na soma dos três anos, agentes penitenciários e policiais militares dividem praticamente empatados as primeiras colocações com, respectivamente, 295 (25,39%) e 281 (24,18%) denúncias por abusos. Os diretores de unidade penitenciária estão em terceiro lugar, no ranking de suspeitos, com 274 denúncias, seguidos de policiais civis, com 227.
O Estado de Minas Gerais concentra a maior parte das queixas (109), seguido por São Paulo (107) e Pernanbuco (61).
Segundo Sidnei Sousa Costa, coordenador-geral do Disque Direitos Humanos, um dos motivos para o aumento tão expressivo é a popularização do serviço. “É importante ressaltar que o Disque 100 está sendo popularizado. As pessoas têm um canal para informar e denunciam mais”.
Costa afirma ainda que a maior dificuldade do Disque 100 é obter retorno das denúncias. A pasta solicita ao órgão responsável dentro dos Estados e municípios a apuração da queixa. No entanto, não há a obrigação legal para que os órgãos deem encaminhamento ao pedido de informação, explica Costa. “Temos trabalhado de forma de parceria e de formato colaborativo com os órgãos”. Segundo ele, 14% das 182 mil denúncias em todas as áreas recebidas em 2013 foram apuradas.
“No caso dos presos, o número de denúncias pode ser bem maior. Boa parte das queixas parte dos familiares", diz. As denúncias são encaminhadas para a ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), no caso dos presídios federais, e para as secretarias estaduais. Temos recebido relatórios de que são feitas as oitivas dos suspeitos e das vítimas. Mas muitas vezes, as denúncias acabam sendo negadas porque as vítimas acabam não falando por medo de sofrer represaria”.
Rafael Custódio, coordenador de Justiça da ONG Conectas, de direitos humanos, diz que a estrutura do Estado acaba favorecendo para que as vítimas não denunciem (ou neguem) abusos.
“Sabemos que o sistema prisional é institucionalizado e a tortura faz parte da política oficial para lidar com presos. Isso porque o preso não tem um canal de denúncia confiável e articulado. Ele está nas mãos de agentes públicos, 24 horas por dia dentro de uma estrutura do Estado. Ninguém fica sabendo do dia a dia do preso, que fica dias sem ter acesso a ninguém de fora do presídio”.
Número é surpreendente
Maria Laura Canineu, diretora da Human Rigths Watch Brasil, ONG mundial de Direitos Humanos, avalia que ainda é de surpreender que os casos de tortura praticados por agentes públicos continuem a se repetir, apesar das medidas adotadas pelo governo federal
“O Disque 100 ainda é uma das poucas ferramentas que as pessoas têm para denúncias. Esses dados são os únicos disponíveis que podem dar a dimensão do problema. O número é surpreendente, já que até 2011 não tínhamos instrumentos de levantamento”, diz a representante do Human Rights Watch Brasil (HRWB).
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Uma das ações a que ela se refere à criação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado em agosto do ano passado, que tem como objetivo prevenir tortura em unidades prisionais e hospitais psiquiátricos. Na última sexta-feira (25), o governo federal instalou um comitê, com 11 integrantes do Executivo e 12 da sociedade civil, que terá livre acesso de inspeção nesses locais para verificar eventuais violações de direitos humanos.
Segundo relatório enviado pela HRW ao Congresso Federal a ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) nesta segunda-feira (28), a maior parte das ações de tortura praticadas por agentes de estado acontece nas primeiras 24 horas de prisão. A entidade pede rapidez na aprovação de uma lei em trânsito no Senado desde 2011 que obriga que pessoas detidas sejam apresentadas a um juiz para que eventuais abusos sejam apurados.
“Me bateram até eu desmaiar”
Um dos casos de tortura praticado por agentes públicos mais recentes foi denunciado pelo advogado Daniel Biral, de 33 anos, integrante dos Advogados Ativistas, grupo fundado em junho de 2013 para acompanhar abusos dos direitos humanos praticados durante manifestações.
Biral diz que foi torturado por pelo menos três policiais militares de São Paulo ao ser detido, no dia 1º deste mês, na praça Roosevelt, na região central, durante ato pela libertação de ativistas presos. Ele diz ter sido detido ao questionar a identidade dos policiais que acompanhavam o ato.
“Eles já começaram a me agredir para colocar no camburão. Me deram uma gravata. Depois ficou mais sério porque eles me levaram a um local que não tinha ninguém [ativistas e imprensa]. Eles disseram que eu ia morrer porque ali não tinha mídia”.
O advogado diz ter sido levado ao 4º Distrito Policial (Consolação). Ao chegar ao local, diz, os policiais o agrediram, ainda na porta da delegacia, até ele desmaiar.
Letalidade policial:
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Por meio de nota, a a Polícia Militar de São Paulo confirmou que Biral cobrou a identificação dos policiais, informou que os manifestantes os xingaram e uma ativista teria empurrado uma policial e a chamado de "idiota" e "palhaça", motivo pelo qual foi "contida com uso de força física moderada e levada ao carro policial". Ainda de acordo com a versão policial, neste momento, Biral teria empurrado um policial e o xingado. “Motivo pelo qual ele também foi preso com uso de força física, pois desferiu pontapés e golpes contra os policiais, além de arremessar o capacete de um deles no chão”, informou a PM.
A Polícia Militar não se pronunciou sobre a identificação dos policiais envolvidos e nem informou se abriu uma investigação para apurar eventuais abusos.
Fonte: IG